Onde a onça-pintada, preservada, prefere o jacaré ao boi
Devido à predação do gado, a onça-pintada (Panthera onca), maior felino das américas, acabou sendo vista pelos fazendeiros como uma ameaça, e a espécie chegou a entrar na lista dos animais com riscos de extinção ou em situação vulnerável. O conflito desse animal tão admirado e temido com o homem está sob controle em algumas regiões como o Pantanal, onde a população tem aumentado.
Avistar uma onça - a pintada, a parda ou a jaguatirica - tornou-se comum numa viagem pelo bioma, seja nas estradas boiadeiras ou ecológicas, nas praias dos alagados, nas matas ou barrancos dos rios. O risco de um ataque é iminente e toda precaução deve ser tomada. Os ribeirinhos do Pantanal convivem diariamente com o animal rondando suas casas, atacando seus animais domésticos.
Seu Venturini, o amigo da onça
Quando a onça deixa de caçar suas presas naturais, segundo especialistas, é porque o ambiente dela foi alterado. Mas, na prática, a história é outra: em regiões preservadas, como a Serra do Amolar, ao norte de Corumbá, há registros de ataques a animais que não fazem parte de sua dieta. Há alguns anos, ela matou mais de 30 cavalos pantaneiros na reserva Acurizal, atacando-os na pista de aviação.
Na Estrada-Parque de Corumbá (rodovias MS-184 e MS-228), onde a população do felino cresceu extraordinariamente, um homem é, literalmente, o amigo da onça. Seu João Venturini, 70 anos, pioneiro no turismo de pesca e ecoturismo na região, apoiou nas últimas décadas campanhas e programas de organizações não governamentais pela preservação da pintada e hoje desfruta da sua presença.
A convivência com o felino em 50 anosna região lhe ensinou a respeitar o animal em seu habitat e se aliar a iniciativas de proteção da espécie com a atividade produtiva, como o programa Pantanal para Sempre, da WWF. Hoje, a onça-pintada é um dos principais atrativos de sua pousada na Estrada-Parque, a São João, onde o turista encontra um ambiente ainda selvagem e a cultura pantaneira também preservada.
Seu esturro deixa o gado agitado
Venturini alia o turismo com a pecuária tradicional, na pousada, que tem dois mil hectares, e garante: o boi é o quarto ou quinto item na lista de preferência da onça-pintada. Na sua propriedade, pelo menos, o jacaré é o primeiro na cadeia alimentar, seguido da capivara, cateto, porco monteiro e o cervo. Outro dia, ela matou um jacaré na lagoa ao lado da sede da pousada, contou ele.
“A onça busca sua presa natural porque a presença do homem e do cachorro a perturbam, por isso ela evita esse contato”, ensina. “Outro dia, ela pegou numa vaca meio debilitada no curral, que fica a uns 200 metros da pousada, mas isso não acontece sempre”. Venturini diz que é comum ouvir seu esturro à noite e o atropelo do gado no pasto, mas, ao amanhecer, constata que não há nenhuma baixa.
Com o passar dos anos, segundo ele, o fazendeiro da região passou a compreender melhor e a aceitar a presença da onça como parte da atividade sustentável da fazenda, seja a pecuária ou o turismo. “A onça é meu atrativo, se o vizinho a caça, está me atrapalhando. Então, com os programas de apoio à preservação, criamos uma corrente conservacionista, e hoje meu vizinho também é um aliado. O atrito é coisa do passado”, constata.
Boi abatido pela onça está no lucro
Uma das principais atividades na São João, a focagem noturna, prova o que seu dono diz. A onça-pintada passou a se expor mais, ao não sentir-se agredida, e não corre quando o holofote do guia de turismo a descobre na mata. João Venturini festeja: a vedete de sua propriedade mata apenas 1% de seu rebanho por ano, o que não considera “uma perda”. Ao contrário, a onça atrai o turista, cujo fluxo aumentou 10%, contabiliza.
O seu esturro na noite silenciosa no Pantanal é o principal comentário no café da manhã da pousada, cujo restaurante, de formato redondo, tem no seu centro um pé de bacuri com ninhos de periquitos. Ao sair em um safari pela Estrada-Parque, o turista certamente avistará um exemplar, ou, ao menos, suas pegadas. O guia Paulo Vilalva salta do veículo e risca o chão. “Olhem aqui, ela passou não faz tempo...”
Localizada no Pantanal do Abobral, uma das onze sub-regiões do bioma, a Pousada São João caracteriza-se não só pelo bom serviço oferecido ao turista, mas pelo fato de provar que a pecuária é compatível com a sustentabilidade da onça-pintada e outros animais. O visitante encontra um ambiente natural, intacto, mantido pelo criterioso João Venturini. A começar pela estrutura da pousada, de material reciclável.
Pescaria e passeios no Rio Miranda
Os animais – jacarés, capivaras, cervos – e as aves – araras azuis, pássaros, tucanos e curicacas – se concentram ao redor do lugar, que recebe até 60 pessoas em seus apartamentos e redários. O local é um berçário de araras azuis; elas brindam o visitante com suas algazarras e voos rasantes. Outros bichos, como tuiuiús, porcos, queixadas e macacos podem ser observados na cavalgadas de duas horas pelo pântano.
A pousada fica distante 30 km do entroncamento da Estrada-Parque com a BR-262, no Buraco da Piranha. Integra o primeiro empreendimento implantado por João Venturini na beira do Rio Miranda, na localizada conhecida por Passo do Lontra (8 km da BR-262), o parque hotel, com estrutura de madeira em palafitas por causa da cheia anual do Pantanal. Um de seus atrativos é uma trilha também de madeira suspensa, de 2 km.
O hotel dispõe de alojamentos e chalés e opera com ecoturismo, lazer, pescaria esportiva e recreativa nos rios Miranda e Vermelho, onde é proibida a pesca, e passeios contemplativos em canoas canadenses. A gastronomia pantaneira está presente no Lontra e no São João, com destaque para os pratos a base de peixe, o arroz carreteiro, doces caseiros e o insuperável caldo de piranha como entrada.
Por: Silvio Andrade - www.lugares.eco.br
Mais informações: www.passodolontra.com.br
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