Embrapa: Brasil está na vanguarda no desenvolvimento de carne cultivada
O novo produto, que se assemelha ao sassami, na forma de protótipos de filés de peito de frango desossados, deve estar pronto para análises nutricionais e sensoriais até o final de 2023.
Também caracterizada como proteína alternativa, a tecnologia recria tecidos animais em laboratório a partir de células animais, proporcionando carnes análogas às naturais. Trata-se de uma inovação que atende às atuais tendências de consumo e agregação de valor.
O projeto foi aprovado por edital competitivo internacional do The Good Food Institute (GFI), organização não governamental que atua na arrecadação de recursos e financia projetos globais. Dentre os 22 projetos selecionados em 2021, cinco são brasileiros, entre eles o da Embrapa Suínos e Aves.
O aumento no consumo de proteínas ao longo dos anos, novos hábitos alimentares e preocupação com a sustentabilidade têm despertado na comunidade científica a necessidade de ampliar a tecnologia necessária para produzir alimentos e atender à crescente demanda alimentar mundial.
Com atenção a novas tecnologias de produção, a proteína cultivada é uma das alternativas em vista. Para produzi-la, células são extraídas de um animal e cultivadas (crescidas), primeiro em um meio nutritivo em escala laboratorial, depois em grandes biorreatores.
O resultado se traduz na ampliação da capacidade de produzir proteína, diversificando as fontes de produção. O produto final pode ser utilizado para produzir alimentos não estruturados, como hambúrgueres, embutidos e almôndegas ou estruturados, como filés e bifes.
A opção de estudo da Embrapa pela carne de frango levou em consideração o fato de que é uma das proteínas mais versáteis, consumida em todo o território nacional, além de um dos alimentos mais completos nutricionalmente, importante para dietas saudáveis. Outra vantagem do estudo diz respeito ao acesso ao banco genético de aves da Embrapa Suínos e Aves.
A técnica e o desenvolvimento – De acordo com Feddern, serão utilizadas as estruturas tridimensionais de nanocelulose bacteriana inicialmente desenvolvidas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Essas estruturas apresentam características semelhantes aos cortes decelularizados de peito de frango como tamanho e aparência, e por isso serão usadas como suporte ao cultivo das células. As células serão colocadas na celulose através da técnica de perfusão, de forma semelhante ao utilizado para recelularização de órgãos.
Para a obtenção do produto final, que é o análogo a filé de frango desossado, ainda há um caminho de pesquisa que a equipe espera atingir ainda durante o ano de 2023.
Legislação e consumo – O mercado global de carne de aves vem crescendo e apresenta, de acordo com órgãos como a OECD-FAO, uma estimativa de consumo de aproximadamente 131 milhões de toneladas em 2026.
Em 2020, a Singapura aprovou legislação para a comercialização de frango empanado cultivado, produzido pela Eat Just. Em 2022, nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) concedeu aprovação para a Upside Foods, da Califórnia, para frango cultivado.
Na Holanda, também em 2022, o parlamento legalizou a degustação da carne cultivada sob condições controladas, destacando que foi o primeiro país a apresentar um hambúrguer cultivado pelo farmacologista Mark Post em 2013 na presença de 200 jornalistas e acadêmicos. Post é também cofundador da empresa de carne cultivada Mosa Meat, sediada na Holanda.
Enquanto ainda não existe comercialização, os produtos cultivados podem ser apreciados em alguns restaurantes desses países, como em Israel, que possui filas de espera para a degustação e lista de reservas para clientes.
No Brasil, ainda não há legislação sobre o tema, porém o Plano Nacional de Proteínas Alternativas (PNPA) está em processo de criação pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Nesse plano estão contemplados alimentos e seus ingredientes de base proteica provenientes de plantas, insetos, fungos, algas e outras fontes alternativas obtidos pelos métodos estabelecidos de produção, processos fermentativos, cultura de células e processos inovadores.
Sustentabilidade como apelo à produção – Um dos desafios que os pesquisadores apontam na produção de alimentos para uma população que vem crescendo no mundo todo é a sustentabilidade.
A carne cultivada se apresenta como uma forma alternativa à produção de carne convencional, portanto não visa substituir a produção convencional já bem estabelecida no mundo, mas possui potencial para coexistência de ambas formas de produção.
A produção de produtos cárneos em condições in vitro surge como complemento para contribuir na oferta de proteína, demandada pelo aumento populacional, possuindo o potencial de transformar completamente o negócio de proteínas cárneas, com repercussões de longo alcance para o meio ambiente, a saúde humana e o bem-estar animal.
Além disso, a carne cultivada possui potencial para aliviar as preocupações éticas, ambientais e de saúde pública associadas à produção convencional de carne, incluindo emissões de GEE, uso de terra e água, resistência a antibióticos, doenças transmitidas por alimentos e zoonóticas e abate de animais.
Criação de biobanco vai agilizar resultados da pesquisa – O projeto prevê duas soluções de inovação. Uma delas é voltada ao desenvolvimento de uma “Metodologia para obtenção das condições de cultivo otimizadas da bactéria produtora de nanocelulose bacteriana visando uma linhagem comercial viável e confiável”, que é de responsabilidade da pesquisadora Ana Paula Bastos.
A outra inovação será o desenvolvimento do produto em si, que é o análogo de peito de frango, de responsabilidade da pesquisadora-líder do projeto.
Nesse projeto, os pesquisadores trabalham com células-tronco adultas e embrionárias, miócito, fibroblasto e adipócito de galinha. Ao longo do desenvolvimento, notou-se a necessidade da criação de um biobanco de linhagens celulares de frango para atender ao mercado de carne cultivada.
Segundo Bastos, o biobanco pode reduzir drasticamente a necessidade de geração repetida de culturas de células primárias e permitirá que a indústria baseada em células trabalhe com linhagens celulares estáveis, reprodutíveis e consistentes durante o desenvolvimento de produtos cárneos cultivados.
A criação do biobanco é um dos resultados da “I Jornada da Carne Cultivada”, promovida pela Embrapa Suínos e Aves, em agosto de 2022.
O evento reuniu profissionais de empresas do setor alimentício, startups, agentes públicos, indústrias de suplementos e de equipamentos, empreendedores e estudantes de diversas áreas do conhecimento para ampliar as discussões sobre o tema e buscar parcerias.
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