Ao fim de 17 horas de sessão, o Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quarta-feira (25) a nova meta fiscal para 2016, proposta pelo governo interino de Michel Temer, prevendo deficit de R$ 170,5 bilhões. Com isso, o Brasil deverá completar três anos consecutivos sem conseguir fazer economia para pagar os juros da sua dívida. A mudança segue para sanção presidencial.

 

A alteração, promovida pelo PLN 1/2016, incide sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, que previa, originalmente, um superavit de R$ 24 bilhões. A alteração da meta já havia sido proposta em março, na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff. Sob alegação de queda de arrecadação e aumento dos gastos públicos, a previsão de superavit foi transformada em estimativa de deficit de R$ 96,7 bilhões.

 

A equipe econômica de Temer, porém, apresentou um novo cálculo para o deficit, excluindo a previsão de arrecadações consideradas incertas — como a recriação CPMF, ainda em discussão, e a repatriação de recursos no exterior, ainda não efetivada. O presidente interino veio ao Congresso na última segunda-feira (23) para entregar a revisão do PLN 1.

 

Segundo o Ministério do Planejamento, a revisão também obedece “recentes entendimentos provenientes dos órgãos de controle”, em referência à necessidade de correção das chamadas “pedaladas fiscais” (atrasos de repasses de recursos do Tesouro Nacional aos bancos públicos). Esse tipo de manobra fiscal passou a ser recusada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2015, quando da análise das contas do governo federal do ano anterior. A prática embasou denúncia que resultou na abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

 

O projeto não foi votado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) e seguiu direto para o Plenário. Se não conseguisse aprovar a nova meta até a próxima semana, o governo seria obrigado a cortar R$ 137,9 bilhões nas despesas não obrigatórias, para garantir o superavit previsto na LDO, além dos R$ 44,6 bilhões já contingenciados no primeiro bimestre.

 

Apesar do quadro deficitário para a União, o novo texto aponta, até março, superavit primário de R$ 8,1 bilhões para os estados e de R$ 1,2 bilhão para os municípios. Os montantes, somados, superam em R$ 2,7 bilhões a meta originalmente prevista na LDO 2016.

 

Reação

O relator do PLN 1 na CMO, deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS), desempenhou o mesmo papel no Plenário. Ele afirmou que o projeto enviado por Temer é “essencialmente o mesmo” daquele concebido por Dilma, tendo como diferença apenas o horizonte da meta fiscal. Para o relator, as razões para expansão do deficit estão bem explicadas e são “fáceis de ser entendidas”.

 

Nogueira disse, ainda, que chegou a conversar com o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que participou da elaboração do texto original do PLN 1. Segundo o relator, Barbosa manifestou o entendimento de que o novo número é “justo”.

 

O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) disse que a nova meta é reflexo da condução econômica do governo afastado e permite que o país veja com clareza os problemas da política fiscal que era adotada.

 

— Hoje é um dia importante para a sociedade brasileira tomar conhecimento do tamanho do desfalque que foi praticado no país. A nova meta fiscal explicita a irresponsabilidade do governo e escancara a maneira como ele enganava a população.

 

Por sua vez, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) disse que o cálculo proposto pela atualização do projeto não tem base na realidade, exagera as frustrações de receitas e mantém expectativas de despesas que ainda não foram realizadas. Para ele, o novo texto busca justificar um arrocho econômico.

 

— Esse número é absolutamente artificial e incorreto. É uma metodologia contraditória que busca criar um cenário de terra arrasada, que não é o da economia brasileira hoje, para justificar medidas que visam atingir os programas sociais. Conhecemos essa história.

 

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) foi outro a criticar a metodologia de cálculo do novo texto e disse enxergar uma contradição no discurso da base de apoio ao atual governo, que pretende rebaixar a meta fiscal agora mas criticava a mesma postura quando estava na oposição. Para Lindbergh, as atitudes desse grupo político contribuíram para “desmoralizar” os marcos fiscais.

 

— Querem um deficit de 150 bi em oito meses porque erraram ao criminalizar a política fiscal. Agora querem jogar a meta lá para baixo. Pensam que enganam a quem? Destruíram o instituto da meta fiscal.

 

O senador Romero Jucá (PMDB-RR), que participou da atualização do PLN 1 como ministro do Planejamento, defendeu que o ajuste marca o início de um período de mais realismo fiscal e orçamentário no governo. Ele observou que a nova meta leva em conta despesas e necessidades que eram ignoradas pelo texto original do projeto.

 

— Já estive aqui neste Plenário diversas vezes mudando a meta de superavit para deficit, porque o governo não fazia um orçamento realista. Esta é uma noite histórica porque o governo mudou na sua política fiscal e orçamentária. Estamos colocando um espaço fiscal equilibrado.

 

Entre as despesas que passam a ser consideradas na nova meta fiscal, Jucá elencou as obras da transposição do rio São Francisco, investimentos em educação e saúde e pagamento de aluguéis de embaixadas brasileiras. O senador também apontou que o novo cálculo incorpora a renegociação das dívidas de estados e municípios

 

A sessão teve vários pontos de tumulto, com parlamentares interrompendo os oradores e falando fora dos microfones ou sem liberação da palavra pela presidência da Mesa. Os senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Lindbergh Farias, em diferentes momentos, chegaram a ocupar tribunas do Plenário em protesto contra o tempo de fala concedido a eles, que entenderam ser menor do que o Regimento Comum garantia.

 

Retirada de pauta

Antes do início da análise do PLN 1, parlamentares da oposição requisitaram a retirada do projeto da pauta. O deputado Afonso Florence (PT-BA) argumentou que as mudanças ao texto apresentadas na segunda-feira (23) pela equipe do presidente interino Michel Temer exigiriam a abertura de novo prazo para apresentação de emendas na Comissão Mista de Orçamento.

— O texto substituto retira a identificação da alocação dos gastos autorizados com o deficit, que estava no PLN 1. Nós queremos ter a oportunidade de reinserir — disse.

O deputado Silvio Costa (PTdoB-PE) também defendeu esse ponto de vista, lembrando que o projeto promove alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016. Sendo assim, segundo ele, seria preciso reabrir os prazos referentes à tramitação da LDO.

O presidente Renan Calheiros rejeitou a questão de ordem e respondeu que a prática adotada para o PLN 1 é a mesma que vinha sendo usada para as alterações de metas fiscais nos últimos anos.

— A presidente [afastada] Dilma Rousseff mandou duas mensagens como esta no ano passado, e o prazo de emendas não foi reaberto. Nós agimos da mesmíssima maneira. Não se trata nem de presidente Dilma nem de presidente Michel, trata-se de interesse do Brasil, e o Congresso Nacional tem responsabilidade com isso.

A senadora Vanessa Grazziotin questionou também o fato de a CMO não ter dado parecer sobre o projeto de mudança da meta fiscal. A comissão não atingiu quórum de deliberação em nenhuma das reuniões marcadas para analisar o PLN 1. Vanessa anunciou a intenção de “judicializar” o assunto.

— O rito da CMO está estabelecido pela Constituição. Não podemos alegar artigos de regimento para justificar que ela não dê parecer. Em nenhum momento o Plenário do Congresso votou uma lei que trata de orçamento sem o parecer da CMO.

A senadora mencionou ainda uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) referente à aprovação de uma medida provisória diretamente em Plenário, sem passagem por comissão mista. Segundo ela, o STF determinou, ali, que as comissões mistas sempre dessem parecer às matérias que dizem respeito a elas antes da votação em Plenário.

Renan respondeu que, como presidente do Congresso, tem a prerrogativa de levar matérias diretamente para o Plenário após transcorrido um prazo, e que há precedente para isso. Ele também avaliou que a decisão do STF citada por Vanessa não se aplica ao caso do PLN 1 e nem à CMO.

— Todos os anos nós votamos matérias orçamentárias com parecer oral no Plenário. A decisão do STF é específica para medidas provisórias. É apenas com relação a elas que se exige o parecer prévio.

Ao fim da deliberação sobre os vetos, os oposicionistas apresentaram um requerimento para inverter a pauta, o que jogaria a votação da nova meta para depois de outros itens na fila do Congresso. O pedido, porém, foi rejeitado e o Plenário procedeu imediatamente à apreciação do PLN 1.

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